Transfer Price (Preço de Transferência) no Comércio Exterior

2023-05-15T15:31:51-03:0015 de maio de 2023|Artigos sobre Exportação, Artigos sobre Importação|
Tempo de leitura: 8 minutos
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O que é Transfer Price?

 

O preço de transferência, ou Transfer Price, corresponde ao preço que é pago por serviços/bens transferidos de determinada unidade de uma empresa para outras unidades pertencentes a ela e localizadas fora do Brasil, em outros países. Desse modo, podemos dizer que se trata do valor definido aos serviços ou bens transferidos entre empresas pertencentes a um mesmo grupo.

Esta metodologia de controle de preços também se aplica nas operações com os chamados “paraísos fiscais”, ainda que a empresa estrangeira não faça parte do grupo da empresa brasileira.

O cálculo correto desse preço é importante para a empresa porque a mantém em dia com o fisco, dentro da lei, já que a não conformidade gera multas ao negócio.

O Transfer Price adequado garante transparência nas operações de importação e exportação, bem como nos juros pagos e recebidos em contratos com registro no Banco Central. As empresas que fazem negócios entre si confirmam compliance e atendem às determinações da governança corporativa.

O preço de transferência também é importante porque gera mais confiança dos stakeholders diante da equipe gestora da empresa. Esses stakeholders envolvem, entre outros, acionistas, investidores, funcionários e fornecedores. Além disso, ele confere mais competitividade à empresa.

Princípio do Arm’s length e as regras de Transfer Price

 

A principal fonte do princípio Arm’s length é o artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE, que é adaptado na maioria dos tratados fiscais bilaterais. A organização incorporou o princípio como parte das regras de preços de transferência que estabelecem as diretrizes que as empresas multinacionais devem aplicar à determinação dos termos e condições das transações controladas.

O princípio Arm’s length sinaliza no sentido de que tais preços devem ser os de concorrência ou de mercado, sem superfaturamento ou subfaturamento, isto é, iguais àqueles praticados por empresas independentes, ou, metaforicamente, por empresas situadas ‘à distância do braço’ (at arm’s length)”.

A maioria dos países adaptou o princípio Arm’s length, incluindo uma disposição de acordo na legislação interna.

Mudança na Lei de Transfer Price 

 

No dia 29 de dezembro de 2022, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) a edição da Medida Provisória nº 1.152/2022 que modifica a legislação e os parâmetros para fins de apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) relacionados ao Transfer Price (preço de transferência).

A nova norma – aguardada há tempos pelo mercado empresarial – determina alterações na base de cálculo do IRPJ e da CSLL para empresas domiciliadas no Brasil que efetuam transações internacionais com empresas domiciliadas no exterior e que são pertencentes ao mesmo grupo econômico (partes relacionadas). Em abril de 2022, a Receita Federal (RFB) anunciou que estava analisando possíveis alterações.

Os dispositivos da MP passaram a vigorar de forma facultativa a partir de 1º de janeiro de 2023 para as pessoas jurídicas que optarem pela aplicação da nova legislação e, de forma obrigatória para as demais empresas, a partir de 1º de janeiro de 2024.

Qual o objetivo da nova Norma de Transfer Price?

 

A norma visa aproximar a sistemática brasileira da utilizada pelos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e promover um ambiente de negócios mais favorável no Brasil por meio da ampliação da segurança jurídica. 

A urgência da medida justifica-se devido a recentes alterações na política tributária dos Estados Unidos (EUA), que proibiram o crédito tributário oriundo de impostos recolhidos no Brasil por conta das distorções existentes no sistema brasileiro a luz do princípio “Arm´s lenght (paridade de concorrência, em inglês literal “à distância do braço”).

Vale dizer que, enquanto a maioria dos países utiliza o modelo sugerido pela OCDE acerca do tema, o Brasil – desde 1996 – possui normas próprias, com base em um sistema de margens fixas.

Principais alterações na Norma de Transfer Price 

  • Introdução do princípio Arm’s lenght: no art. 2º da MP, o Brasil acolhe de forma ampla o princípio Arm’s lenght em todas as operações sujeitas ao controle de preços de transferência, de modo que os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis;
  • Fim da autonomia dos contribuintes para escolha do método de cálculo, tornando obrigatória a aplicação do método mais adequado, sendo esse o que possuir maior capacidade de determinar com máxima confiabilidade os termos e condições que seriam estabelecidos entre empresas não pertencentes ao mesmo grupo econômico em uma transação equivalente;
  • Maior abrangência da norma, com a determinação da aplicação das regras de Transfer Price para operações que envolvem, por exemplo, ativos intangíveis (incluindo os de difícil valoração), serviços intragrupo e operações financeiras. A legislação anterior, previa a aplicação somente para operações de importação e exportação;
  • As novas regras passam a ser aplicáveis a qualquer transação comercial ou financeira entre duas ou mais partes relacionadas, sendo essas diretas ou indiretas, o que incluí contratos ou arranjos sob qualquer forma ou série de operações;
  • Possibilidade de compartilhar custos internacionais relacionados a empresas com sede em diferentes jurisdições, sendo esses contratos os que duas ou mais partes relacionadas dividem os riscos e contribuições referentes à produção, aquisição ou ao desenvolvimento conjunto de serviços, ativos tangíveis e intangíveis com base na proporcionalidade dos benefícios que cada parte irá obter por meio do referido contrato;
  • Fim dos antigos limites para dedutibilidade no pagamento de royalties, sendo indedutível das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apenas os pagamentos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou similares, quando devidos a beneficiários com tributação favorecida ou que possuam regime fiscal privilegiado, bem como nos casos em que a dedução ocasionar dupla tributação;
  • Os ajustes de Transfer Price devem ser realizados na apuração do IRPJ e da CSLL, sem a utilização de mecanismos que alterem os documentos comerciais relacionados. A não apresentação da documentação e informações utilizadas pela empresa para o cálculo, ensejará pena de multa aos contribuintes;
  • O conceito de país com tributação favorecida foi alterado para país que não tributa a renda ou que tribute a mesma por meio da aplicação de alíquota máxima inferior a 17%.
  • Commodities: recomenda-se o método PIC como o mais apropriado, com a extinção dos métodos PCI e PECEX;

As novas regras também trazem um conjunto de cinco métodos que, apesar de já existentes e praticados internacionalmente, foram revisados e passar a valer também em território brasileiro:

  • PIC (Preços Independentes Comparados): comparação do valor de operações envolvendo produtos similares ou idênticos, após os devidos ajustes, efetuados entre partes não relacionadas. A nova norma presume que tal método deve ser aplicado para operações envolvendo commodities e extingue os métodos PCI (Preço sobre Cotação na Importação) e PECEX (Preço sobre Cotação na Exportação);
  • PRL e MCL (Preço de Revenda menos Lucro e Custo mais Lucro): análise de operações não controladas para determinar a necessidade de ajustes das margens brutas auferidas na revenda e na produção com base na comparação das mesmas. Os métodos similares previstos na sistemática anterior, previam a utilização de margens fixas;
  • MLT e MDL (Margem Líquida de Transação e Margem de Divisão do Lucro): prevê a comparação das margens líquidas auferidas pelos diferentes participantes da cadeia de produção e distribuição.

Vale dizer que a norma não exclui a possibilidade da adoção de outros métodos, desde que a alternativa escolhida produza efeitos consistentes com os resultados que seriam atingidos em transações comparáveis se as mesmas fossem realizadas entre partes não relacionadas.

Aplicações da Norma de Transfer Price no Direito Aduaneiro

 

As regras de preços de transferência podem ser tomadas em consideração pelo aplicador das regras de valor aduaneiro, conforme evidencia o Comentário nº 23.1 do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira da OMA, pelo qual se permite que a autoridade aduaneira utilize informações encontradas em estudos de preços de transferência elaborados pelo importador para avaliar as circunstâncias da venda. 

Essa diretriz foi incorporada em diversas passagens da IN RFB nº 2.090/2022, a saber: art. 4º, § 6º; artigo 17; art. 28, § único, inciso VI, e ainda, na parte em que reproduz o referido Comentário 23.1 da CTVA/OMA, a norma aduaneira brasileira deixa claro que “um estudo sobre preços de transferência pode constituir uma boa fonte de informação, se contiver informação relevante sobre as circunstâncias da venda. 

Por outro lado, um estudo sobre preços de transferência pode não ser relevante ou adequado devido às substanciais e significativas diferenças que existem entre os métodos do Acordo para determinar o valor das mercadorias importadas e aqueles das Diretrizes da OCDE sobre Preços de Transferência.

Entre as “substanciais e significativas diferenças” relativas ao AVA-Gatt e ao novo regramento brasileiro de preços de transferência, baseado no modelo OCDE, pode-se citar: 

  1. O conceito de partes relacionadas, uma vez que, para fins de preços de transferência, adota-se o critério de “influência”, ao passo que o AVA estabelece um conceito taxativo de vinculação; 
  2. A estrutura dos métodos, sendo que, para fins de preços de transferência importa o método mais apropriado, ao passo que na valoração aduaneira impõe-se um modelo sequencial de seis métodos, devendo-se percorrer todos na ordem prescrita e descartar o anterior para seguir ao posterior; 
  3. O intervalo de comparáveis permitido para preços de transferência (artigo 16 da MP) pode ser diferente daquele relativo a uma específica transação considerada para fins de valoração aduaneira; 
  4. A periodicidade de produção da documentação de suporte para cada instituto, de forma que uma transação a ser avaliada para fins de valoração aduaneira pode ocorrer antes que os estudos sobre preços de transferência tenham sido concluídos.

Por isso, deve-se ter cautela na invocação das regras de preços de transferência, mesmo após a edição da Medida Provisória nº 1.152/2022 e da IN RFB nº 2.132/2023, para fins de valoração aduaneira. Essa última possui regras próprias que devem ser observadas.

É certo dizer que um contribuinte, por exemplo, que comprovadamente não possa aplicar o primeiro método (do valor de transação), tampouco possua informações suficientes para se valer dos quatro outros métodos subsequentes, estará sujeito à valoração aduaneira conforme o sexto método, dos critérios razoáveis ou último método (fall-back) e, nessa situação, caso a mesma transação tenha sido submetida à análise de comparabilidade conforme as novas regras de preços de transferência, pode ser razoável se valer do preço parâmetro apurado para fins de IRPJ e CSLL, com as devidas depurações, para a definição do valor aduaneiro das transações específicas. Isso porque, diferentemente do que ocorria antes, em que valia o critério do “método mais benéfico ao contribuinte” e quando o sistema era baseado em presunções e margens fixas, agora o modelo do transfer pricing impõe a adoção do método “mais apropriado” à concretização do princípio Arm’s length, no que se vê potencial para uma razoável apuração e definição do valor aduaneiro. Se utilizado como elemento relevante no sexto método previsto no AVA estarão respeitados os critérios razoáveis e limitadores de valores arbitrários ou fictícios, balizadores de sua aplicação.

Referências: 

Rocha, Sergio André. Tributação Internacional – São Paulo: Quartier Latin, 2013.ISBN 85-7674-1. Direito Tributário Internacional. I. Título

A MP nº 1.152/2022 e novo regramento de preços de transferência no Brasil – Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-jan-01/valadao-regramento-precos-transferencia-brasil

Transfer Price valoração aduaneira – Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mar-21/territorio-aduaneiro-valoracao-aduaneira-preco-transferencia-distancia-braco

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